Havia muitos anos que eu ansiava por uma viagem tranquila em alto-mar. Foi assim que embarquei em um cruzeiro, buscando descanso e silêncio. Meu destino, porém, não seria o repouso, mas algo infinitamente mais sinistro.
A cabine que me designaram era a 105. Um espaço exíguo, sufocado por um odor de mofo que parecia ter se impregnado nas paredes. O beliche de ferro rangia ao menor toque, e, embora eu não tivesse visto meu companheiro de quarto, sua mala repousava ao lado do guarda-roupa, como prova silenciosa de sua presença.
Naquela primeira noite, o cansaço venceu minhas apreensões. Deitei-me no beliche inferior. Não tardou para que um barulho lúgubre me despertasse: um gemido arrastado, vindo do leito acima de mim. O coração acelerou, mas forcei-me a acreditar que meu companheiro havia chegado tarde. Logo depois, ouvi passos rápidos deixando a cabine, a porta balançando como se o próprio navio respirasse ao compasso das ondas.
Na manhã seguinte, ainda impregnado pelo frio e pelo fedor úmido, procurei um dos comissários e me queixei. Quando revelei o número da cabine, vi seu semblante empalidecer como cera diante da chama. Ele gaguejou, tentou disfarçar, mas por fim murmurou em tom conspiratório:
— Todos os que ali dormem… acabam se atirando ao mar.
Suas palavras ecoaram em minha mente como um presságio.
Mais tarde, o capitão me abordou com cautela. Seu olhar carregava a sombra de um segredo maldito. Disse-me que meu colega de quarto desaparecera durante a noite. “Tememos que ele tenha pulado”, confessou em voz baixa. Era o quarto a fazê-lo.
Tive calafrios ao retornar à cabine. O beliche de cima estava oculto por cortinas pesadas, como se escondesse algo que não deveria ser revelado. O medo latejava em minhas têmporas, mas a fadiga me forçou ao sono.
Foi no meio da noite que o horror se revelou em sua plenitude. Um estrondo ecoou, o alçapão abriu-se sozinho, e um vento gélido invadiu o quarto. Ouvi, com o sangue gelado, um movimento no beliche superior. Tremendo, puxei as cortinas. Meus dedos tocaram algo viscoso, gélido e repugnante — como carne morta apodrecendo em águas escuras.
De súbito, uma massa disforme e úmida saltou sobre mim. Era pesada, fétida, e exalava o hediondo odor de algas pútridas. No escuro, pude vislumbrar olhos opacos, lábios rígidos num esgar abissal… o semblante deformado de um cadáver afogado.
A criatura me agarrou pelo pescoço, tentando arrancar de mim o último sopro de vida. Debati-me, quase sucumbindo àquele abraço gélido, até que, sem aviso, ela se lançou pelo alçapão, desaparecendo nas ondas.
Na noite seguinte, o capitão, descrente, insistiu em permanecer comigo na cabine. Trazia consigo uma coragem que o mar logo trataria de apagar. Juntos, aguardamos. O silêncio era sepulcral. Então, o trinco do alçapão começou a girar sozinho, e a escuridão engoliu a luz.
Foi quando a coisa voltou. Vi o capitão lutar em desespero contra aquela forma encharcada, ouvi seus gritos e gemidos. Ao tentar ajudá-lo, toquei novamente aquele corpo frio, inchado, exalando podridão marinha. O ser — ou o que restava dele — não era apenas um cadáver: era uma maldição, um náufrago condenado a nunca repousar, arrastando outros consigo para o fundo.
Com um brado horrível, a criatura atravessou o alçapão e sumiu no mar revolto. Tremendo, abandonamos a cabine.
Naquela mesma noite, tripulantes pregaram tábuas sobre a porta, selando-a para sempre.
E até hoje, contam que a Cabine 105 permanece interditada. Ninguém mais ousou dormir ali. Dizem que, nas madrugadas, ainda se ouve o rangido do beliche, o estalo da portinhola se abrindo… e o fedor insuportável de algo que jamais deveria ter retornado das profundezas.