Assombração no Espelho

Uma sombra escura paira sobre o meu passado, uma sombra que se arrasta pelas profundezas da minha linhagem. Minha história se entrelaça com o legado sombrio da minha família, uma linha de xamãs e bruxos, cujos segredos ancestrais ainda espreitam nas sombras da minha mente. Desde cedo, testemunhei as manifestações mais perturbadoras do sobrenatural.

Lembro-me claramente daquele espelho enorme que enfeitava o lar, um portal para o desconhecido, onde uma menina pálida e macabra espreitava no seu reflexo.

Não era uma criança comum, sua pele era translúcida, que parecia absorver a luz. Sua presença era um eco do vazio, um convite ao horror.

Ela se encantou em brincar comigo, mas suas brincadeiras não eram mais do que grotescos shows de deformidades, como por exemplo, de seus dedos mergulhando no fundo da boca dela, como se eles tentassem arrancar mais do que carne e osso. E o seu rosto contorcido em uma cara grotesca, como se estivesse a ser manipulado por uma força negra e indecifrável.

Todas as noites, quando suas brincadeiras paravam, o caos desencadeava-se na casa, como se as próprias sombras dançassem ao compasso do seu riso sinistro. Brigas infundadas entre meus pais, aparelhos domésticos que pifavam, coisas que sumiam ao serem procuradas…

Um dia, ganhei um cachorrinho de presente – era uma pequena luz no meio de tanta escuridão. Mas ela, a menina do espelho, cobiçava a minha companhia. Quando neguei o acesso ao inocente animal, na manhã seguinte encontrei-o deitado sem vida e o seu pêlo ensanguentado, era como uma oferta macabra à sua cruel diversão.

No reflexo do espelho, a menina se vangloriou, pois agora ela estava acompanhada do meu cachorro e sua gargalhada ressoava como o eco de um abismo sem fundo.

Depois disso, ao contar para meus pais sobre a maldita menina, o espelho foi vendido, numa tentativa desesperada de selar a entrada daquele abismo de pesadelos. No entanto, sua presença persistiu, espreitando em cada superfície reflectiva, esperando o momento certo para se reerger.

Hoje, agora como mãe, o legado maldito voltou a manifestar-se. Minha filha mais velha, inocente e vulnerável, foi visitada pela mesma sombra que atormentou minha infância.

Contei tudo para meu marido, que acatou minhas palavras. A sorte havia me abençoado, fazendo aliança com nova família. Seu irmão, o meu cunhado, sendo um Padre respeitado e cumpridor de sua Missão, não teve nenhum receio em vir à nossa casa e jogar Água Benta em todos os espelhos. Desde então, nada mais aconteceu.

Somos Católicos e praticantes do Cristianismo, com Fé e Caridade sem ostentações. Escândalos? Qual religião não tem???

Por Sérgio Gitel