O cheiro da comida invadia a sala. João e Maria assistiam a um filme na televisão. Quando João sentiu o aroma, disse:
– Estou morrendo de fome, querida. Hoje não vai ter comida de novo?
– Não! Eu estou de regime. Preciso perder 15 quilos.
– Mas eu não estou de regime. Sempre fui pele e osso.
– Você tem que ser solidário. Não quer me ver magrinha e gostosa? Causar inveja aos seus amigos?
– Estou passando fome e eu adoro comer e todo dia o cheiro da comida da Miriam entra na nossa casa. É muito sofrimento! Prefiro você assim, gordinha e eu bem alimentado.
– Nada disso! Comecei e vou até o fim. Apostei com Marli e a Creuza. Quem perder 15 quilos primeiro ganhará cem reais das outras. Eu quero perder peso e ganhar esses duzentos reais.
– Posso ir até a esquina e comprar um churrasco, ou uma pizza? Comerei escondido de você. Eu juro!
– Não! Você tem que sofrer comigo. Vamos para a cama. Quero perder algumas gramas fazendo amor.
– Eu estou muito fraco. Você não tem percebido que ultimamente eu não tenho dado conta do recado. Canso e logo durmo. Estou trabalhando demais e me alimentando muito mal.
– Não quero nem saber. Você é homem e tem que me satisfazer. Eu não me importo em fazer tudo. Basta que ele fique pronto. Vamos!
– Preciso me alimentar.
Foi até a cozinha e ficou triste quando viu a geladeira vazia. Voltou para o quarto e a esposa já estava dormindo. Saiu, foi até a pizzaria e comeu rapidamente uma pizza quatro queijos.
Voltou, deitou-se e dormiu também. No outro dia, quando acordou teve uma surpresa horrível.
– O que é isso?! Você ficou louca?! – Ele gritou.
– Não.
– Então me desamarre da cama! Preciso trabalhar!
– Só se você prometer uma coisa?
– O quê?
– Fazer regime comigo.
– Passar fome com você?
– Se você prefere ver as coisas assim.
– Não! Me solta!
– Não!
– Tá bom, eu faço regime com você. Me solta.
– Não acredito mais. Ontem você saiu e comeu na pizzaria. Vai ficar amarrado até que eu termine o meu regime.
– Você ficou louca!? Preciso trabalhar!
– Meu trabalho será suficiente.
– Vou perder meu emprego e não está fácil arrumar um!
– Eu sei. Se você se comportar, quando eu perder os quinze quilos, eu soltarei você e sustentarei a casa com o meu trabalho pelo tempo que for preciso para você arrumar outro emprego.
– Ficar sem comer afetou o seu juízo?!
– Talvez, mas você verá que valerá a pena.
– Me solta, senão eu vou gritar!
Antes que ele começasse a gritar, Maria colocou uma fita colante sobre sua boca. Ele se retorceu na cama, mas estava muito bem amarrado. Então, ela saiu do quarto e ele ouviu as portas sendo fechadas. Ouviu a vizinha cantando. Sentiu o cheiro da comida dela. Retorceu o corpo, mas nada conseguiu. Muito tempo depois, a esposa volta ao quarto.
– Amor! Cheguei! Já perdi dois quilos e elas só um. Logo vou poder soltar você. Boa noite. Ah, liguei para o escritório e disse que você precisou viajar urgente para Salvador porque sua mãe está muito doente e que você só voltará quando ela se recuperar. Sei que sua mãe já morreu, mas eles não sabem. Talvez assim você não perca o emprego. Boa noite.
João a via todos os dias entrando no quarto e dizendo quantos quilos havia perdido. Já não tinha mais ideia de quanto tempo fazia que estava preso. Um grande sono e moleza tomavam conta de seu corpo.
Dormia, dormia, dormia. Só acordava quando ela chegava da rua e lhe dava água e uma sopa rala através de um canudo que introduzia através da fita colante. O tempo passava e João tinha certeza que morreria antes de Maria perder os quinze quilos. Seu raciocínio estava lento. Não pensava mais. Apenas um grande ódio crescia dentro dele e este ódio o alimentava diariamente para que pudesse sobreviver.
– João, acorda, João! Consegui! Perdi quinze quilos e ganhei os duzentos reais. Vou soltar você. Veja como eu estou magra e gostosa. Todos os homens mexem comigo na rua agora.
Ele não a ouviu. No decorrer dos dias ela o alimentou com sopas. João recobrou, pouco a pouco, as suas forças. Já conseguia andar se amparando nos móveis. Via Maria quando ela chegava do trabalho feliz e magra, mas seu ódio só crescia.
Numa quinta-feira, Maria estava assistindo televisão, a vizinha cantava e o cheiro da comida que ela cozinhava invadia a casa. João, silenciosamente chegou por trás dela e deu uma, duas marteladas na cabeça da mulher. O sangue jorrou e o corpo caiu ao chão. João a arrastou até o banheiro e colocou-a dentro da banheira e, com uma faca afiada, cortou o corpo em vários pedaços. Separou as carnes e colocou tudo no freezer.
No dia seguinte, sexta-feira, tirou vários pedaços do freezer, colocou-os na geladeira para descongelar e foi trabalhar. Durante o trabalho ele convidou seus amigos para que fossem almoçar no sábado lá na sua casa. Ia ter feijoada à moda do João.
No sábado, começou a preparar as carnes. Colocou pedaços da coxa e dos braços em assadeiras e começou a assá-los. Fritou nacos de carne das nádegas. Preparou batatas cozidas com carne da batata da perna, arroz com pedaços da língua e das orelhas, feijão com carne dos seios e salada de legumes com pedaços do nariz. A Feijoada tinha, além da carne de porco, vários pedaços dela e os dedos sem as unhas. Os amigos começaram a chegar trazendo cervejas, batidas, pingas. A alegria tomou conta da casa. O forró animava os convidados que comemoravam o retorno de João.
Todos se sentaram à mesa. A vizinha, Miriam, o marido e os dois filhos também compareceram.
Então alguém perguntou:
– João, onde está Maria?
– Viajou às pressas para o Norte e não sei ainda q uando volta. Passe a caipirinha para mim por favor?
Todos comeram e beberam até se fartarem e saíram elogiando o almoço preparado por João.
Quando a festa acabou e todos já estava indo embora, o vizinho chega perto de João e diz:
– A carne estava muito gostosa!
– Eu sei! – João respondeu.
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