Além do Espelho

por Mundo Sombrio
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Três batidas na porta da sala, eu acordei assustado, o relógio marcava 03:17

Minha espinha gelou, quem estivesse batendo na porta já tinha que estar dentro do meu quintal, o portão era enorme, como aquilo poderia estar acontecendo?

Me levantei já passando a mão num taco que eu deixava do lado da cama para nunca ter que usar, uma estúpida inspiração dos filmes de Hollywood

Ainda no corredor, pude ouvir mais duas batidas, estas mais fracas, o medo foi tanto que mesmo de longe gritei

— Quem está aí?

E para o meu total pavor, uma voz calma e baixa e até certo ponto conhecida, mas que na hora do medo não consegui descobrir rebateu

— Sou eu! deixa eu entrar

O medo aumentou de forma descomunal, perguntei ofegante quem era, e o que estava fazendo no meu quintal, blefei dizendo estar armado, que se quisesse entrar eu ia atirar para me defender

Até aquele momento só me passava pela cabeça ser um ladrão, não raciocinei direito, ladrões não pedem para entrar

Encostei na porta e coloquei meu ouvido junto a ela, queria ouvir outras vozes, risos ou algo assim, por mais insano que aquilo pudesse ser, eu tinha um primo chamado Júlio que não tinha limites, não seria impossível ele ter pulado o muro para me trollar, sim, escutei uma respiração ofegante, mas algo já me dizia que não era Júlio, tentei me enganar mais uma vez

— Júlio! É você? Se for pare com isso

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Não era o Júlio! Claro que não era, minhas pernas começaram a tremer, eu podia sentir quem estava do outro lado da porta, mas por algum motivo não se amedrontava, mesmo eu dizendo que ia chamar a polícia, ou atirar para me defender, a voz dizia a mesma coisa e cada vez mais desesperada, mais enfurecida

— Me deixe entrar! Eu preciso entrar

Já tendo a certeza que não era meu primo idiota, fui para o banheiro, mesmo com uma pilastra na área, do banheiro dava para ver quem estava na porta da frente

Aqueles metros até chegar no banheiro foram desesperadores, tinha alguém tentando entrar na minha casa, e de madrugada, desde que completei maior idade sempre morei sozinho, e aquilo nunca tinha acontecido

A cada passo que dava, o medo me tomava mais e mais, eu podia sentir o meu coração gelado, sim, era a hora, o minuto, os segundos mais apavorantes da minha vida, uma coisa inexplicável estava no ar, eu tinha a certeza que ia morrer, de alguma forma, não sei como, continuei

Peguei um banco e olhei pela janela, juro com todas as minhas forças que foi o momento mais horrível da minha vida, olhei e não tinha ninguém, mas pior, podia ouvir as batidas na porta, eu olhando, ou melhor não vendo nada e ao mesmo tempo ouvindo as batidas, como eu queria que fosse um bandido, mas não, era sobrenatural, um espírito, algo querendo entrar na minha casa

Desci do banco e fui ao chão, caí no piso frio do banheiro, minha mente não podia acreditar no que os meus olhos não viram, tinha que ter alguém na minha porta, mas não tinha, e a voz continuava cada vez mais desesperada

— Me deixe entrar, abra a porta logo

Eu não era lá muito inteligente, mas naquele momento sabia que o que estava lá fora não poderia entrar sem que eu deixasse, senão já teria feito, fui pra sala e peguei o telefone, a ideia era ligar para polícia, queria que mais alguém estivesse comigo, eu não estava louco, estava acontecendo, mas não, o telefone estava sem linha, assim como meu celular não estava completando nenhuma ligação, possivelmente o que estava lá fora não quisesse mais ninguém na casa, era pessoal, mas porquê?

Gritei para que saísse do meu quintal, implorei para que não mais me assustasse, mas nada, a voz insistia, a maldita voz que cada vez me parecia mais familiar, meu pavor não deixou eu raciocinar direito

O Relógio marcava 03:50, o tempo também era meu inimigo naquele momento, na minha mente 06:00 eu estaria livre, o dia levaria para longe aquele mal que me assombrava, me sentei no sofá, sempre com o taco na mão, minhas mãos estavam geladas, um arrepio me subiu a nuca, aquilo continuava a bater e pedir para entrar, não desistia de jeito nenhum

— O que quer aqui na minha casa? Você é um fantasma? É um extraterrestre? Diga o que é?

— Apenas me deixe entrar, não lhe farei mal, você jamais entenderia, na verdade, nem pode entender, afetaria até você

Aquelas palavras me deixaram ainda mais desesperado, o que estava lá fora de alguma forma me conhecia, dizia claramente que me conhecia, eu voltei novamente para o banheiro e fiz a mesma coisa, e claro que a mesma coisa aconteceu, ouvia as batidas, ouvia a tal voz me chamar, mas ninguém estava no alcance das minhas retinas

— Eu estou desesperado, por favor vá embora, seja o que for, não me faça mal, eu não mereço passar por isso

— Sei que não é mal, juro que não vou te machucar, acredite, você não iria entender, ninguém aqui poderia entender, poderia virar um caos, apenas deixe eu entrar, eu preciso entrar

Eram palavras de algo que tinha intimidade comigo, falava com um certo afeto, mas não passava pela minha cabeça abrir a porta, aquela bizarrice chegava ao ponto deu estar dialogando com um fantasma, sim, para mim não era extraterrestre, era uma alma, espírito ou coisa assim

Eu tremia, minhas mãos pareciam ter vida própria de tanto que eu balançava, tentei o telefone mais uma vez e nada, o celular mais uma vez e nada, não completava ligações, não conseguia mandar WhatsApp, nada, alguma força ou a tal coisa tinha o poder de selar a casa, o relógio parecia não querer me ajudar marcando 04:02

Fiquei na cozinha pensando como me livrar daquilo, mas não tinha jeito, não tinha saída, ficar parado e achar que tudo iria se resolver sozinho não era opção, algo sobrenatural estava na minha porta, só de não ter desmaiado ou infartado de largada me dava inspiração de que sim, eu ia passar o vale nebuloso, tentei dialogar mais uma vez

— Fale mais alguma coisa, seu nome, diga se é algum familiar, algum amigo que partiu, se é de outro planeta, por favor eu quero sair dessa situação, porque me escolheu? Por que minha casa?

A voz não me respondeu, e ficou pior, a coisa começava a bater na janela do banheiro, na verdade começava a forçar, se mostrava ainda mais impaciente

— O espelho, eu preciso olhar no espelho, deixa eu entrar

Pela primeira vez pude realmente saber o motivo daquele pavor, era o espelho que a tal coisa queria, não entendi o que era, eu não estava acreditando no que estava acontecendo, era um misto de terror e curiosidade, no fundo do meu coração eu sabia que o que estava lá fora não me queria mal, mas não passava pela minha cabeça abrir a porta, o relógio marcava 04:13

Fui para meu quarto e rezei um pai nosso de pouca fé, eu não era dado a coisas de religião, abri a Bíblia que estava pra lá de empoeirada e li gaguejando um versículo qualquer, com medo, sem fé, minhas vistas estavam pesadas, não era sono, era a aura da minha casa que mostrava que o que estava lá fora começava adentrar em forma de energia ruim

O Relógio marcava 04:46, a voz já estava uns 10 minutos sem se manifestar, sem forçar a porta, acreditem, aquele silêncio dava muito mais medo, mas logo o silêncio cessou

— Eu não quero mais ficar aqui, já que não me deixa entrar, coloque aquele espelho que está na segunda gaveta aqui na janela do banheiro, eu fico aqui fora, você só precisa me mostrar o espelho

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Era surreal, o que estava lá fora sabia de como era minha casa, pensei que pudesse ser algum familiar morto, mas não tinha ninguém que pudesse saber da minha intimidade a tal ponto, saber onde eu guardava as coisas

— Como sabe do espelho? Você me conhece, diga, como sabe do espelho?

A voz não me respondeu, minha casa ficava cada vez mais fria, o ar parecia ficar mais denso, e novamente a coisa começou a bater na porta da sala com muita fúria, ela não se conformava, parecia ser dona da casa, foi naquele momento que tive uma desconfiança

— Vamos diga! Quem é você? Eu vou pegar o espelho e vou colocar na janela, mas antes, me diga quem é, me diga o que é, vamos fazer um trato, é justo

— Primeiro pegue o espelho, depois conversamos

Eu fui já quase que tendo a certeza do que estava acontecendo, comecei a tremer só de pensar que fosse, não tinha sentido ser, peguei o espelho e voltei para o banheiro

— Estou aqui com o espelho em minhas mãos, mas não vou levantar na janela até que me diga o que está acontecendo, eu não posso ficar sem saber o que é isso, eu desconfio, mas quero a certeza, já sei que o espelho é um portal para outro lugar, sei que chegou aqui sem querer chegar, eu só quero que diga quem é, apenas isso

— Você é bem esperto, não poderia ser de outra forma, mas sei que também é curioso, então para o seu bem, para o meu bem, coloque o espelho na janela, feche os olhos e tudo isso vai acabar em frações de segundos, por favor faça isso

Eu estava convicto, já tinha certeza do que se tratava, não precisava fazer como Tomé, mas fiz

— Vamos, coloque o espelho na janela eu te imploro, não olhe o espelho, não seja tolo, apenas coloque na janela

Ainda fiquei alguns segundos pensando em tudo aquilo, tomei a decisão, levantei meus braços erguendo o espelho, senti uma força puxar o espelho para perto da janela, ali, naquele último segundo, olhei, e confirmei minha desconfiança, era eu, sim era eu com outra roupa, outro penteado de cabelo, era eu que vive em outro plano, sendo sugado pelo espelho e indo para uma realidade que não é a minha, não é a nossa

Isso aconteceu a dois meses, de lá pra cá não tive mais coragem de olhar para o espelho, arranquei do banheiro, joguei fora os pequenos, a única vez que me atrevi olhar no espelho do trabalho, tive a certeza que era ele que estava me olhando de dentro pra fora, tomem cuidado quando olhar no espelho, não queiram ter o pavor que sinto até hoje

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