Histórias de um Mendigo [História de Terror]

por Mundo Sombrio
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Sempre, depois do almoço, eu costumava sentar na praça e fumar um ou dois cigarros e observar o movimento do centro. Era um momento de puro relaxamento em que eu clareava minha mente para voltar para o trabalho.

Numa dessas ocasiões se aproximou de mim um desses moradores de rua e me pediu um cigarro. Confesso que tive receio de ser importunada, de ouvir alguma gracinha, mas na mesma hora imaginei como podia estar sendo preconceituosa. Dei-lhe o cigarro. Após recebê-lo, ele se sentou na ponta do banco, pegou fósforos do bolso e o acendeu. Agradeceu mais uma vez e começou a falar.

Para minha surpresa, ele criticava o abandono do prédio antigo que havia diante de nós. Falava com propriedade sobre a terrível constatação de que éramos um povo sem memória que não dava a mínima para nossa história. Achei-o bastante sóbrio em seus comentários bem pertinentes. Esse fato se repetiu pelos próximos dias e logo desenvolvemos certa amizade.

Era uma relação diferente, uma amizade delimitada àquele momento. Josué, mais conhecido como Dico, vinha quase todos os dias me filar um cigarro e conversar um pouco. Meu amigo do intervalo era bastante inteligente, educado e costumava impedir que seus conhecidos baderneiros se aproximassem dele no momento em que estávamos juntos.

Contou um pouco de sua vida, de como perdera o emprego e tinha ido parar na rua. Falávamos de política, dos últimos acontecimentos, de amenidades e outras coisas. O que eu achava estranho era que quase toda vez, depois de qualquer assunto, Dico voltava a falar do prédio abandonado diante de nós.

Em certa ocasião me disse que o mesmo seria demolido. Lamentava muito esse fato e disse que estava pensando para onde iriam os fantasmas. Achei engraçado essa preocupação e ri. Ele me olhou sério e disse que eu também podia vê-los. Que bastava olhar com atenção para a entrada do prédio à noite ou em suas janelas. Disse que eles paravam ali, diante das portas fechadas com tijolos ou surgiam nas janelas que ainda estavam abertas.

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Depois daquele dia, mesmo duvidando das histórias de meu amigo, passei a olhar para o imóvel quando estava saindo do trabalho. Mas não conseguia encará-lo por muito tempo. Perguntei a Dico certa vez porque era tão interessado naquele prédio. Ele falou que quando jovem, trabalhara no lugar, primeiro emprego, época da primeira namorada, alguma independência, o início da vida adulta, grandes sonhos. Acreditava que quando morresse sua alma viria ali pensar e visualizar esse tempo. Achei isso comovente e ficamos vários minutos em silêncio contemplando o velho imóvel.

Alguns meses depois soube que meu amigo Dico morrera. Fora encontrado morto encolhido sob uma marquise na época de um rigoroso inverno. Eu estava de férias na ocasião e não o via há algum tempo. Voltei ao trabalho e vi que o prédio querido de Dico estava reduzido a um monte de entulhos. Em algumas semanas o terreno foi limpo e um estacionamento foi construído ali.

O tempo passou, parei de fumar. Mas num melancólico fim do dia, saindo do trabalho, parei e olhei para o estacionamento e vi Dico parado diante dos automóveis, com o olhar perdido. Senti um arrepio na espinha. Era ele mesmo!? Caminhei em sua direção. Ele então me olhou, sorriu e desapareceu diante dos meus olhos. Minha vista então escureceu, cambaleei de volta, tentando pegar meu caminho.

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Assim que melhorei do choque, ao invés de pegar minha condução, sentei num daqueles barezinhos do centro, pedi um Chopp e acendi um cigarro. Fiquei bebendo, fumando e olhando a paisagem.

E quando eu me tornasse um fantasma? Também viria contemplar com tristeza os lugares por onde vivi?

A História de Terror “Histórias de um Mendigo” foi escrita por Jorge Raskolnikov

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