Eu ando pelas ruas desertas da cidade, com o capuz do casaco cobrindo meu rosto e minhas mãos nos bolsos. As luzes das ruas brilham intensamente, banhando os prédios e as calçadas com sua luz fria e espectral. O eco dos meus passos ressoa na quietude noturna, ocasionalmente interrompido pelo murmúrio distante das ondas nas docas.
Há dias que a imprensa não me dá tréguas. “O homem sorridente”, é como eles me chamam. Cada noite fica mais difícil encontrar uma vítima que não esteja alerta, que não olhe por cima do ombro, apavorada com a idéia de me encontrar. Eu sei que em breve terei que me mudar, procurar outra cidade, onde meu rosto mascarado ainda não seja uma “lenda urbana”.
Mas esta noite tenho um palpite e sei que vou poder fugir do tédio da minha vida cinzenta, de escriturário, adicionando outro “troféu” à minha coleção.
Dobro uma rua e finalmente encontro o que procurava: uma jovem ruiva, cambaleando com os saltos na mão e um vestido de festa, que se encaixa na sua figura como uma segunda pele. Seus movimentos desajeitados e seus olhos perdidos me dizem que bebeu demais.
Fico observando-a à distância, garantindo que não chamo a atenção dela. Devo estar alerta, pois certamente não sou o único que ronda nesta noite procurando uma vítima. Meus lábios se curvam em um sorriso, ao imaginar a sensação de poder que vou experimentar em poucos minutos.
Sigo-a por várias ruas, sempre à uma distância prudente. Ela não faz idéia de que está sendo perseguida. Eu vejo ela virando em um beco, provavelmente para fazer xixi, e sei que este é o meu momento. Coloco a máscara do “Sorridente”, certificando-me de que está bem apertada. A sensação de adrenalina familiar começa a fluir nas minhas veias.
Só tenho que esperar um minuto, para ver “outra figura” entrar atrás dela e saber que o meu palpite estava certo. Entrei no beco, sabendo que amanhã vou aparecer nos jornais.
Um grito de terror quebra a quietude da noite, mas ninguém irá até lá. Ninguém ouve os gritos, em uma cidade que aprendeu a ignorar o sofrimento dos outros.
***
Na manhã seguinte, numa cozinha modesta, Lurdes, uma mulher de meia idade, senta-se com uma xícara de café em frente à um jornal. Seus olhos percorrem as notícias, até parar em uma manchete que congela o seu sangue: “O Homem Sorridente ataca de novo”.
Lê com avidez a notícia com seus dedos tremendo ligeiramente:
“Encontrado num beco o corpo sem vida de um homem com sinais brutais de violência. De acordo com fontes policiais, o corpo pertence à “JLL”, um maníaco sexual procurado. Uma testemunha afirma que o “Homem Sorridente” o atacou, enquanto ele tentava abusar de uma mulher. A constatação de que no cadáver faltava o pênis, confirmam as suspeitas sobre o acusado.”
Lurdes deixa o jornal na mesa e fecha os olhos, sentindo uma mistura de alívio e repulsa. Ela não gosta dos métodos do Homem Sorridente, mas sabe que a cidade é mais segura, enquanto ele continuar vagueando pelas ruas, procurando outro “troféu” para sua coleção.
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Por A. Alonso, da obra “Labirinto de Histórias”.
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