Paramos e ficamos olhando para o morro. Pensei que não valia a pena subi-lo.
— E então, vamos ficar só de bobeira? — ele quis saber já ficando impaciente.
Continuei olhando para além da elevação de terra. Não queria conversar, esticar assunto algum com ele. Sempre que a coisa ia além, eu acabava perturbado. Era melhor não responder. Mas ele insistiu, ficou perguntando a mesma coisa. Abri a porta do carro.
— Vamos que já deve tá escuro do outro lado — falou e se apressou em pegar a encomenda no porta malas.
Balancei a cabeça em resposta, mas fui ajuda-lo.
— Não tava muito afim de vir — falei e logo me arrependi disso.
Era só o que ele queria para ficar naquele bate boca sem fim, sem futuro.
— Você sempre vem com isso, depois na hora aproveita mais que eu.
Eu disse que não era verdade, se não fosse por ele eu nem estava ali.
Peguei o que me cabia naquele pacote e comecei a ir em direção ao morro. Inevitavelmente fiquei pensando no quanto não queria estar ali. Por que eu era tão fraco e sempre cedia? Acabava indo, subindo o morro pra chegar do outro lado. Ele percebeu meu silêncio e aproveitou para falar.
— Qual, é, meu? Cê fica com essa cara, mas sabe muito bem que quer isso…
Eu continuava levando o pacote, sentindo que estava levando aquilo sozinho, cansativo! O sacrifício não valia a pena.
— Isso tudo é coisa sua, não me venha com conversinha. É a ultima vez, juro que é a última vez que invento de fazer essa porra, desabafei.
Ele ficou em silêncio a princípio, mas logo começou a argumentar. Disse que quem primeiro tinha inventado aquilo era eu, que eu iniciara tudo e agora ficava com conversa mole, querendo pular fora. Argumentei que sua amizade era um peso para mim. Que eu não sabia o que fazia perto de um sujeito tão leviano como ele e que ele, não eu, tinha inventado tudo… Nós somos praticamente a mesma pessoa, com mesmas ideias, um versão do outro, protestou irritado.
Nessa hora eu já estava ofegante, chegando ao topo e me preparando para descer e chegar no lado escuro.
— Que se foda! Vamos acabar com isso! — gritei sentindo muita dor de cabeça.
Dediquei me ao embrulho sem olhar para os lados. Sentia uma espécie de zumbido nos ouvidos, minha cabeça estava prestes a explodir. Joguei a carga morro abaixo, comecei a descer, inclinando para trás para não cair. Parte da areia cedeu e eu comecei a escorregar me equilibrando, descendo sobre uma pequena avalanche. Num instante estava lá em baixo, sobre a encomenda.
Ele veio em meu auxílio. Juntos abrimos aquilo. A moça estava viva ainda, embora inconsciente.
— Você quebrou a cabeça dela! — ele falou.
Agora não havia porque discutir, estávamos juntos naquilo. Saquei minha faca e comecei a corta-la no pescoço. O sangue jorrou e eu tomei cuidado para me sujar apenas o mínimo. Ela fez movimentos espasmódicos, mas logo parou. Também me detive um instante. Ele me olhava com satisfação e, nesse momento, não havia conflito entre nós. Estávamos em sintonia, totalmente de acordo e certamente nos divertindo. Sabia que depois ia culpa-lo, prometer não fazer mais tal coisa.
Era a quinta vítima só naquele lugar. Como das outras vezes, esquartejando o corpo de outra jovem com meu lado escuro devidamente conciliado. Ele tinha razão, eu tinha inventado tudo…
Tudo era mesmo obra minha, até mesmo ele, meu lado escuro.
ESCRITO POR: Jorge Raskolnikov
ADAPTADO POR: Mundo Sombrio
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