Letras de Sangue

por Mundo Sombrio
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Allan contempla a tela vazia do computador em atitude meditativa. Toca com suavidade as teclas com as pontas dos dedos procurando as letras. A sequência gráfica não se faz lógica e deleta tudo tornando a página novamente de um branco total. Tantos anos em que escreve histórias de um horror magnífico e agora as ideias secam como um grande rio que perdera seus afluentes, agonizando em uma seca impiedosa. O obscuro mundo do oculto, demonologia, o sobrenatural são as temáticas que preenchem toda sua bibliografia.

Resolve sair, deixar este recinto de clausura que sufoca seus pensamentos. Está cansado de pensar, esperando o surgimento da dama misteriosa que reveste seus sentidos da prática da escrita, inspiração. Quem sabe o ar fresco da manhã sopre na sua mente doses claras de eventos criativos formando uma fantástica ficção. Pega suas chaves e passa pela porta de saída.

O dia está realmente agradável e depois de alguns passos, sente que precisa mesmo de um tempo ao sol. Desce o quarteirão e segue em direção ao lugar que mais agrada seus sentidos, o campo santo. Mora bem próximo ao cemitério mais proeminente da cidade. O primeiro da região, onde estão sepultados os mais ilustres cidadãos do patriarcado local. O passeio aprazível em meio aos jazigos suntuosos ainda não é suficiente para lhe fazer surgir alguma narrativa. Precisa de uma história. Seu agente literário deu o ultimato. Ou entrega o livro, ou está falido.

Allan resolve sentar-se um pouco. Por falta de assentos acomoda-se na borda de uma sepultura revestida de mármore negro. Em cima da pedra lisa e 
negra, uma escultura magnífica de cristo carregando a cruz. O escritor contempla a obra em bronze puro e atenta para a feição de sofrimento estampada na figura metálica. Pensa em seu próprio sofrimento e no peso de sua cruz particular, a cruz do medo do fracasso. Repara também no contraste entre esse belo sepulcro e o muro ao fundo. A proteção que cerca a necrópole possui centenas de anos e a manutenção é precária. Está escurecido, tomado de infiltrações, concentrando manchas formadas por musgos e fungos diversos.

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Allan percebe que ali existe uma pequena abertura. Parece que uma das pedras que compõem a velha construção se soltou com a última intempérie. O homem aperta os olhos para ver melhor. A ponta de algum objeto metálico aparece no interior do orifício. Curioso, Allan levanta e vai ver do que se trata. Usa uma varinha que apanha do chão para cutucar a coisa. Não quer surpresas. Segurança testada e só então enfia a mão para puxar o objeto para fora.

É uma pequena caixa de madeira, com dobradiças e fecho de metal. Apesar de muito suja e bastante velha, está bem conservada. Não está trancada, mas a oxidação do fecho metálico dificulta o processo de violação. Allan leva então o misterioso artefato para casa. Na garagem encontra sua caixa de ferramentas. Apanha uma chave turquesa e força o fecho da caixinha partindo o metal enferrujado. A caixa se abre! Dentro um embrulho. Alguma coisa está envolta em um pedaço de couro carcomido pelo tempo. Surpreso, o escritor abre o pacote com cuidado. O invólucro quase se desmancha, revelando uma superfície dura em seu interior. É um pequeno livro, mais ou menos grosso, com uma capa dura e escura. Na capa alguns símbolos, como um mosaico, estão grafados em relevo.

Excitado, Allan examina a peça emblemática. Folheia com extremo cuidado. As páginas possuem uma coloração envelhecida. Rabiscos efetuados com tinta negra formam palavras em latim. Sem perda de tempo, o homem pega o celular e digita as expressões em um aplicativo de tradução. Logo as palavras brilham na tela:

“Faça de um espírito das trevas teu escravo. Este ritual aprisiona o espectro submetendo-o à sua vontade. Reproduza este símbolo no solo, derrame trinta gotas do seu sangue no centro e repita as palavras: Vinde maldito ser das trevas. Revela-te neste símbolo sagrado para teu infortúnio”

O texto ainda traz uma ilustração. Um círculo com três arcos fechados no meio. Os olhos do escritor brilham no mesmo instante. Nem foi preciso ler o restante do livro. Se isso for verdade será sua salvação. Aprisionar um ser do outro mundo? Um fantasma submisso? Quantas narrações sórdidas, macabras pode conhecer? Contadas diretamente das profundezas do inferno por um dos seus seres. Agora está muito empolgado.

Vai até a cozinha e apanha uma faca de cortar carne perigosamente afiada. Em seguida encaminha-se para o quintal. Prefere reservar-se de olhares curiosos, realizando o ritual protegido pelos muros do próprio lar. Com um pedaço de madeira desenha no solo o símbolo estampado no livro. Engole seco e cria coragem para mutilar-se. Com a ponta da faca risca a palma da mão provocando um pequeno corte. Pacientemente deixa pingar e conta cada gota de sangue que cai sobre o solo. Ao chegar a trinta encerra a contagem e envolve a mão em um lenço. Então repete as palavras traduzidas, lendo-as na tela do celular.

“Vinde maldito ser das trevas. Revela-te neste símbolo sagrado para teu infortúnio”

Aguarda por um momento. Olha para todos os lados. Uma hora se passa e, nada. Decepcionado, Allan retorna para o interior da residência. Já anoitece. Perdeu muito tempo em sonhos mirabolantes e agora não tem nada escrito e seu tempo se esgota.

Irritado consigo mesmo por sua ingenuidade, joga o livreto em um canto e vai para o banho. Deseja agora apenas descansar, dormir bem para deixar a mente livre, relaxada. Talvez assim retome seu processo criativo.

Retira a roupa e abre a torneira. Deixa a água quente cair sobre o corpo. A sensação da atividade sadia lhe causa prazer. Fecha os olhos, volta a face para o alto e sente as gotas salpicarem. Sente também uma mão completamente fria, tocar-lhe no ombro. O homem solta um grito de susto e também por causa do choque térmico causado pela mão gelada pousada em seu corpo aquecido. Pega a toalha com mãos nervosas e enxuga bem os olhos. Gira a cabeça para todos os lados procurando a origem que provocou tal efeito. Está sozinho.

Assustado, coloca rapidamente o roupão e confere o rosto no espelho. Dá um salto de pavor. No reflexo vê atrás de si uma figura diabólica. Um corpo com a pele em chagas, olhos vermelhos e com sangue escorrendo de sua boca. Instintivamente vira-se em um movimento rápido e constata que está sozinho novamente. Antes desejava apenas sair do banheiro, mas agora sabe que não vai permanecer mais nem um minuto nessa casa.

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Corre até o quarto a fim de colocar algumas roupas em uma mala e sair. Não chega nem ao corredor. Na sua frente, uma mulher, completamente desfigurada solta um grito estridente. Foge desesperado para a sala. Quer alcançar a porta de saída. Mas lá encara mais surpresas. Três espectros vagam como zumbis pelo cômodo. Estão com roupas surradas e ensanguentadas, olhos vermelhos e gemem como animais no momento do sacrifício.

O escritor volta e se evade para o quintal. Pula porta afora e quase cai dentro de uma gr ande labareda que se levanta exatamente do centro do círculo que desenhara antes. Com o sobressalto inesperado, volta de costas e cai na piscina. Debate-se um pouco até conseguir submergir. Começa a nadar para a borda, mas, repentinamente, dezenas de braços agarram seu corpo e o puxam para baixo. Tenta se livrar, mas afunda cada vez mais. A água penetra em seus pulmões. O líquido é como uma faca que abre seu peito de dentro para fora. Está quase perdendo a consciência quando vê um objeto caindo na água. É o seu celular e está ligado. A tela exibe um texto. É o restante das instruções que traduziu do livro enigmático:

“O símbolo deve ser reproduzido no solo sagrado de um santuário e as palavras devem ser proferidas em latim”

Allan sente a vida esvair-se do seu corpo, fecha os olhos e tudo se torna escuridão.


ESCRITO POR: Aldo Almeida

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