O Que Vem Depois?

por Mundo Sombrio
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Prólogo

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Roberto acorda cedo e observa no espelho o rosto amassado. Exibe os dentes em desalinho na imagem refletida e castiga os caninos com uma escova gasta. Banha o corpo e depois se veste. Salpica gotas de odor cítrico pelo tórax, atravessa a porta e segue para a vida rotineira.

Roberto observa cada fragmento de atividade humana: encontros e despedidas, rostos conhecidos ou desconhecidos, sorrisos, palavras duras, palavras doces, acenos e doses frescas de realidade. Volta para casa. Uma dor aguda no peito. Solta o corpo no chão da sala. A dor. A vida a esvair-se.

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Lembra-se agora de tudo que viveu, das sensações. Os cheiros, as faces que viu, os sons que ouviu, de tudo que sentiu, lembra-se do sol, do vento a lhe tocar os cabelos, da caminhada no frescor da manhã.

Por que tanta loucura, por que tanta dor? Vivendo em completa agonia. Quanto tempo se perdeu tentando ser quem não queria.

Agora corroído pelo arrepender-se percebe que seu tempo se extinguiu. Todos queriam vê-lo em retos caminhos. Ser o doutor de seus pais, o super pai, o grande marido. Só o que encontrou foram as tortuosas estradas do fracasso e a frustração de não seguir o destino almejado. Uma nova chance? Onde encontrar agora o maná? Onde a terra prometida? Por todos os lados são apenas grades. As grades sociais do homem socializado, domesticado, dominado.

Silêncio absoluto, a porta de vedação da câmara fria se abre e por ela passa o funcionário apressado carregando uma prancheta cheia de formulários. Agora a sala está vazia. No centro, uma longa mesa de aço; sobre o metal frio jaz os despojos, um fragmento inerte que já foi homem. A pele pálida está totalmente desprovida de vestes e a única evidência de que este pedaço de carne sem vida já errou entre os viventes é o pequeno papel preso em seu dedo do pé direito que estampa a alcunha Roberto.

O Despertar

Roberto sente que está sobre uma pedra de gelo. O frio é insuportável. O corpo nu em contato com a superfície gelada de uma maca de metal provoca a sensação de mil agulhas entrando na pele. Tenta se levantar mas sente uma dor terrível no peito. Seus músculos se contorcem em agonia. Lentamente move o pescoço e consegue levantar um pouco a cabeça, o suficiente para observar o próprio corpo. O choque é indescritível.

Roberto pensa estar louco. Não pode acreditar em seus olhos. Seu peito está totalmente aberto. Uma enorme cavidade está exposta. Ao lado, recipientes abrigam as vísceras que provavelmente são suas. Que diabos está acontecendo?

Olha a sua volta e percebe. Não ha dúvidas. Está em uma droga de necrotério. Mas a morte é assim? Por que está sentindo dor, frio e fome? Onde está o maldito túnel de luz? Mas, se está morto não deveria estar fazendo a passagem?

Louco! Só pode estar louco.

Pensa nisso enquanto usa de todas as forças para tentar sair do suporte metálico. Consegue rolar e seu corpo cai pesadamente no chão. As dores são humanas demais e, não fosse a impossibilidade de existir vida em um físico sem coração, fígado, pulmões, etc, teria certeza de que ainda está vivo.

O esforço é sobre-humano, mas consegue colocar-se em pé. Está replicado. Consegue ver a carcaça ainda deitada na maca. Arrasta-se como pode para sair desse lugar macabro. Sente um auto repúdio ao ver as carnes soltas balançar. Joga-se contra a porta. Bate com força e cai de costas. Sente mais dores devido a pancada. Está confuso. Como pode ser?

É uma porcaria de fantasma, por que não atravessa as paredes? Maldição, pragueja. O jeito é esperar. Esse lugar é frio demais. Um inferno que não é de fogo, é puro gelo.

Sentado, encolhido em um canto entre mesas metálicas e cadáveres, tremendo de frio, não soube contar o tempo que passou até a porta abrir-se. Enquanto pessoas trajadas com aventais plásticos, luvas e máscaras entram, Roberto aproveita para saltar para o lado de fora.

Ah! A luz do dia! O calor do sol. Meu Deus! A melhor sensação do mundo, pensou. Sua casa! Sim, precisa voltar para casa. Ver como estão sua mulher e seus filhos.

Pensando nisso não demora muito e logo está em frente ao querido lar. Ciente de que sua forma horrenda não é visível não preocupa-se em cobrir o corpo desfigurado. Vai até a porta. Fechada. Dá a volta até a janela, mas tudo está trancado. Insiste por um bom tempo procurando uma brecha, uma fenda. Qualquer orifício que permita sua entrada, mas, em vão.

Aguarda em frente a residência até que muitas pessoas começaram a chegar. A porta se abre e surge a oportunidade. Vários automóveis param nas imediações e uma romaria se dirige para o interior da residência. Aproveitando a situação Roberto entra.

A casa está como sempre. Os mesmos móveis, os mesmos quadros na parede. Tudo está igual, com exceção do caixão no meio da sala. É o seu velório. Impressiona-se com o grande número de pessoas. Muitas nem conhece. Mas se irrita ao assistir a antiga amante abraçar sua esposa e prestar os pêsames.

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Chegou mais perto da caixa funerária para ver-se. Estaria apresentável? Precisou desviar de várias pessoas que se concentram em volta do defunto. Não gostou do que viu. O rosto inchado, branco como uma vela. Irritou-se com a família por não preparar melhor os seus restos antes de exibi-lo àquela multidão.

Vira-se no intuito de sair desse evento esdrúxulo, mas sente que alguma coisa o segura. Tenta puxar o corpo novamente, mas uma força invisível, como um imã, o mantém junto ao caixão. Pula, se arrasta, tenta agarrar-se a outras pessoas, mas por maior que seja o esforço desempenhado, não desgruda do cadáver.

O caixão finalmente é retirado do suporte. É o momento da despedida. O que ninguém vê é uma alma pendurada debatendo-se desesperadamente tentando apartar-se do ataúde que está sendo encaminhado para o veículo fúnebre.

Na hora do adeus final, os familiares choram mais intensamente. Isso porque talvez possam sentir a angústia daquele espírito ligado ao corpo e sepultado vivo.

Vivo-morto, o morto-vivo.

História de Terror escrita por Aldo Almeida.

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