Saci Pererê, O Diabinho de uma Perna Só e o Lado Sombrio do Saci

por Mundo Sombrio
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Saci Pererê, O Diabinho de uma Perna Só e o Lado Sombrio do Saci
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folclore brasileiro é cheio de riquezas e uma imensa diversidade, e as lendas que fazem parte dele sempre são um grande destaque. Dentre as mais conhecidas está a do Saci Pererê. No final desse post leia também sobre o Lado Sombrio do Saci.

A História do Saci Pererê

Saci-pererê, ou apenas saci, é uma figura famosíssima do folclore brasileiro. Esta, é uma das Lendas Brasileiras mais difundidas no nosso país. Muitos autores retratam ele como sendo um menino negro e travesso, que fuma cachimbo e carrega uma carapuça vermelha na cabeça que pode lhe conceder poderes mágicos.

Porém a principal e mais marcante de todas as características citadas acima é o fato de ele ter apenas uma perna.

Segundo dizem, ele adora correr atrás dos animais para assusta-los, gosta de montar em cavalos e dar nó em suas crinas. O Saci Pererê pode também aparecer e desaparecer misteriosamente, é muito agitado e não para um instante sequer, pois fica pulando de um lugar para outro e toda vez que apronta as suas travessuras. ele dá risadas alegres e agudas e gosta de assobiar, principalmente quando não existem as noites de luar.

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Saci Pererê – Giulia Bokel e o Lado sombrio do Saci

Muitas coisas que dão errado, principalmente na zona rural do Brasil, são atribuídas ao Saci Pererê, como por exemplo: ele entra nas casas e apaga o fogo, faz queimar a comida na panela, seca a água das vasilhas, dá muito trabalho às pessoas escondendo os objetos que dificilmente serão encontrados novamente.

Além de suas travessuras, é importante dizer que o Saci tem o domínio das matas e florestas e, por isso, possui outra função importante chamada de “farmacopeia”.

Dessa forma, o Saci Pererê é o guardião das ervas e das plantas medicinais. Ele conhece suas técnicas de manuseio e de preparo, bem como de sua utilização acerca dos medicamentos feitos a partir de plantas.

Por isso, em muitas regiões o Saci é considerado um personagem maléfico. Ele guarda e cuida das ervas sagradas presentes na mata e costuma atrapalhar e confundir as pessoas que as coletam sem autorização.

Acredita-se que o Saci nasceu de um broto de bambu, permanecendo ali até os sete anos e, após esse período, vive mais setenta e sete anos praticando suas travessuras entre os humanos e os animais. Por fim, ao morrer, o Saci torna-se um cogumelo venenoso ou naqueles cogumelos que são encontrados nos troncos das árvores, mais conhecidos como “orelha-de-pau”.

Cogumelo orelha-de-pau (polyporus-sanguineus). Foto de aline rezende mundo sombrio saci perere
Cogumelo Orelha-de-pau (Polyporus-sanguineus). Foto de Aline Rezende

A Origem do Saci

Estudos apontam que sua lenda remonta ao final do século XVIII ou começo do século XIX. Isso porque não existem relatos sobre saci nos primeiros séculos do período colonial do Brasil como existem de outras lendas, como a do Curupira, que é mencionada em um relato de 1560.

A lenda do saci surgiu no Sul do Brasil e foi influenciada por elementos das culturas africana e indígena desde fins dos tempos coloniais e foi difundida para o resto do país através das obras de Monteiro Lobato.

Inicialmente, o Saci Pererê era retratado como um personagem negro e endiabrado, que possuía duas pernas e um rabo. É um ser pequeno, com cerca de meio metro de altura, embora existam versões da lenda que falem que ele pode chegar a ter três metros de altura, se ele assim quiser.

É conhecido também por não possuir cabelos e nem pelos corporais e, em algumas versões da lenda, apresentam-no com olhos vermelhos, enquanto outras não falam sobre essa característica.

A partir da influência africana, ele perde a perna lutando capoeira e adquire o hábito de fumar o pito, ou seja, o cachimbo que ele sempre carrega aceso.

O gorrinho vermelho do Saci pererê, por sua vez, advém do folclore do norte de Portugal. Era utilizado pelo lendário Trasgo que possuía poderes sobrenaturais.

É importante comentarmos que não existe apenas um saci, ou seja, podem existir muitos realizando suas travessuras ao mesmo tempo.

Na origem da lenda do saci, ele era um protetor da floresta e, por isso, muitos consideram-no como um personagem derivado da lenda do curupira. Na medida em que sua história espalhou-se, ela foi incorporando outros elementos que fazem parte do folclore de cada região e que podem ser oriundos de outras culturas.

Monteiro Lobato e o Saci

Até o começo do século XX, a lenda do saci era muito conhecida apenas nos rincões do país, mas, por meio de Monteiro Lobato, ela ganhou nova importância e dimensão. Ele é um famoso escritor do começo do século XX que ficou famoso por ter criado uma das coleções de histórias infantis mais conhecidas do Brasil, o Sítio do pica-pau-amarelo.

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A associação de Monteiro Lobato com a lenda do saci teve início no ano de 1917, quando o escritor realizou um inquérito no jornal O Estado de São Paulo, com o objetivo de colher respostas dos leitores a respeito do que eles sabiam ou tinham ouvido falar sobre essa lenda brasileira. A resposta foi considerável, e Monteiro Lobato recebeu dezenas de respostas dos leitores do jornal.

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Com base nessas respostas, o escritor sistematizou a lenda do saci para dar origem ao livro O Sacy-pererê: resultado de um inquérito, publicado em 1918. Este foi o primeiro no Brasil sobre a lenda do saci e foi o responsável por espalhá-la por regiões que ainda não a conheciam.

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O Sacy-Perêrê: Resultado de um inquerito por Monteiro Lobato

Em 1921, Monteiro Lobato adaptou a lenda para o público infantil ao publicar O Saci, livro que faz parte da coleção do Sítio do pica-pau-amarelo.

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O Saci por Monteiro Lobato (1921) – Coleção: Sítio do Pica-pau-amarelo

Uma História Triste do Saci

Saduci era um belo príncipe conhecido por sua bravura e força, ele era muito feliz em sua terra natal e prezava pelo seu povo, mas isso até que os portugueses invadiram sua aldeia o sequestraram junto com sua família e inúmeros outros negros.

Eles foram trazidos em um terrível navio negreiro ao Brasil onde foram tornados escravos da coroa. Aqui, faziam todo o trabalho das gigantes fazendas enquanto seus senhores ordenavam que lhe dessem grandes surras, pouco alimento e muita dor.

Em pouco tempo Saduci reuniu uma legião de adoradores que confiavam nele e em sua promessa: o jovem príncipe jurava que iria se vingar. Os anos foram se passando e Saduci tornou-se um lider, ele estimulava todos a trabalharem direito para que não houvesse sofrimento, porém logo os senhores viram o poder de influência que aquele escravo tinha, por isso ordenaram que lhe dessem uma surra e sumissem com ele.

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E assim foi feito, seus capangas bateram tanto nele que quase lhe tiraram a vida, depois do feito o jogaram semi-morto na mata na esperança de que ele realmente falecesse. Porém, mal sabiam eles o quanto este pequeno príncipe era amado, inúmeros escravos arriscaram suas vidas na busca de Saduci e, quando finalmente o encontraram, o levaram até um Quilombo muito bem escondido em meio da floresta para que pudesse se recuperar.

Quando se curou, Saduci começou a auxiliar na fuga de inúmeros escravos da região, ele era o melhor para se esconder na mata e indicar o caminho para o local seguro. Saduci tinha o costume de estar sempre com o cachimbo acesso, mas isso apenas para que pudesse rapidamente acender fogueiras durante a noite.

Para proteger o esconderijo, o jovem sempre estava à espreita e quando observava que haviam acampamentos de capitães do mato aprontava as maiores traquinagens. Ele azedava o leite, queimava o arroz, dava nós nas crinas do cavalo, tudo o que pudesse atrapalha-los. Quando tudo estava limpo, ele erguia um pano vermelho, sinal de paz, depois de um tempo Saduci começou a usar um gorro vermelho para facilitar o trabalho.

Infelizmente, um dia, estes mesmos capitães acabaram o pegando e novamente lhe deram uma imensa surra, só que desta vez decidiram deixar uma marca, lhe tiraram sua perna e o deixaram sangrando na floresta.

Saduci foi ajudado por seus amigos e rapidamente se recuperou e não deixou que aquele fato o impedisse, pelo contrário, seus planos de fuga aumentaram ainda mais de escala. Só que com este aumento, os portugueses acabaram o achando definitivamente e o matando, reza a lenda que mesmo após sua morte, o espírito do jovem príncipe ainda andava pela mata auxiliando na fuga de seus colegas e deixando aqueles homens maus bastante confusos.

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Você Sabia?

  • O termo “Saci” vem do tupi sa’si que representa o nome de um pássaro. Esse pássaro é conhecido pelos nomes “Saci”, “Matimpererê” ou “Martim-Pererê”, em tupi: matintape’re.
  • O Saci-Pererê também é conhecido pelos nomes Saci-Cererê, Matimpererê, Matita Perê, Saci-Saçurá e Saci-Trique.
  • Em 2005 foi instituído o Dia do Saci no Brasil: 31 de outubro.

Lado Sombrio do Saci

Há um tênue limite entre o misterioso e o anormal. Existem os que defendam que o mistério se extingue quando é revelado, podendo tornar-se sobrenatural ou simplesmente vulgar, dadas as circunstâncias. O anormal incendeia todo o ambiente da mais pura falta de lógica, podendo desenhar situações sombrias e inquietantes.

Os dias nessa prisão são perturbadores, e confesso que, tivesse coragem, abreviaria meu sofrimento agora mesmo.

Somente quem se deparou com essas situações pode afirmar com propriedade, quais são as consequências psicológicas deixadas após experiências fantásticas com seres de outro mundo. No meu caso, bem… é melhor que vocês mesmos tirem suas conclusões.

Hoje em dia ele é uma figura festejada em nosso folclore e até já figura no calendário com seu próprio dia de comemoração. Mas, para os milhares que, assim como eu, vieram de outras épocas e foram criados na roça, a situação é bem diferente. Era comum ouvirmos as mais diversas histórias sobre ele nas noites de seresta em volta da fogueira, quando padrinho nhô Eleutério vinha de suas terras trazer mandioca mansa, milho branco pra fazer canjica, couve coração-de-boi, manga espada, jabuticaba, uva merlot pra fazer vinho. Enfim, tudo o que havia em seu sítio, mas que não plantávamos aqui.

Em nossa roça era comum dar mamão, banana, goiaba vermelha, cenoura, quiabo, abóbora, além das hortaliças, como o espinafre, hortelã, coentro, salsa… mas a grande plantação de meu pai era mesmo o canavial. Com a crise do petróleo de 73 e o programa de incentivo ao álcool, bem, nossa família investiu tudo na produção de cana-de-açúcar.

Mas, bem que o avô de meu pai, assim como outros antigos diziam, alertou-me.

– Rapaz, já avisei o Geraldo, mas ele não deu ouvido. Esse tipo de plantação aqui nessas bandas não dá certo não. Disse meu bisavô, enquanto enrolava um naco de fumo com uma palha seca. Canavial é chamativo pro matita.
– Essas coisas não existem, meu velho.

– Qual o quê? Pois plante e verá. Disse o senhor, levando-se com difuldades.
As histórias que ouvíamos sobre o saci eram bem heterogêneas e beiravam a inocência. Nho Bento Ferreira contava que o negrinho era um ser brincalhão. Que não tivesse medo, pois apenas gostava de esconder as ferramentas, trocar as sementes, o sal pelo açúcar, irritar os animais, fazendo-lhe tranças, coisas do tipo. Já meu bisavô se irritava quando alguém, em uma das noites frias, quando ficávamos em volta do fogo assando milho, puxava alguma história do saçurá. O velho dava uma grande baforada em seu cachimbo demonstrado insatisfação, pegava seu chapéu e ia dormir.

De todos os contadores de histórias e causos desse interior gigante sem fim, era do compadre Bismarque que eu mais sentia medo em minha meninice. Bismarque tinha um olhar diferente, meio que de lado, puxando a alma da gente, parecia sempre desconfiado, pronto para qualquer adversidade. E nunca, nunca sentava em banco. Quando vinha pra alguma seresta em volta do fogo, ficava acocorado como um índio, pronto para um bote, como se pudesse a qualquer momento sair em disparada.

Era o Bismarque tropeiro, fazia a antigo caminho das tropas, uma velha rota que existia ligando o Rio Grande do Sul à Capitania de São Paulo. Dissera ter visto de tudo nessa vida de andanças. Desde o bebê diabo, a mulher na estrada, a cobra que roubava leite, o cachorro de Dom Bosco, os meninos verdes, o demônio dentro da garrafa… mas nada, nada havia sido de mais hediondo, segundo o que dizia Bismarque, do que as aparições do Saci-pererê.

O tropeiro viajante, quando lhe perguntavam sobre o negro, mudava seu semblante imediatamente. Ficava alguns minutos em silêncio, como se soubesse ter poder sobre sua plateia. Preparava um cigarro de palha enquanto nos olhava com aquele olhar desconfiado, desafiador. E então, calmamente começava a falar. E o que dizia era monstruoso e aterrador. Alguns detalhes o homem só revelava quando não havia mulheres em volta. Geralmente no fim da noite, quando nossa mãe e as tias já tinham se recolhido. E assim crescemos, ouvindo cheio de pavor as maldades cometidas pelo selvagem.

O terror, a tortura e a destruição de minha família começaram quando o canavial plantado ultrapassou a altura de um adulto, tornando-se a vista intransponível em relação ao outro lado do cultivo. Meu bisavô a propósito da decisão de meu pai pouco saía de seu quarto. Mudou seus costumes, deixou de comparecer às noites enluaradas com a família em volta da fogueira.
A princípio considerei que o quase centenário homem estivesse fora de seu juízo normal. Chegamos realmente a caçoar de sua ojeriza, deixando-o ainda mais possesso. Quem mais zombeteou meu bisavô foi seu José Geraldo Pereira, meu pai. Chegou um dia a voltar gritando do canavial afirmando que vira o Pererê na mata. Seu avô tremeu de ansiedade.

Somente quando o velho foi buscar o bacamarte para ir atrás da entidade é que meu pai revelou a brincadeira. Riu até não poder mais, chegando a rolar no chão diante do ancião humilhado.

– Tome cuidado, Zé. Disse meu bisavô entrando para a casa, você pode morrer assim.

De fato, a partir de então algumas anormalidades começaram a ser observadas. Em uma manhã de agosto, se bem me lembro, meu pai cuspiu todo o café que havia virado de um gole. Imediatamente saiu gritando pelo terraço.

– Quem foi o filho de uma égua que trocou o sal pelo açúcar no pote?

Chegou a acusar o avô, que sequer havia saído da cama àquelas horas.

– Quer troçar comigo, velho? Pois agora eu quem quero me encontrar com esse maldito! O senhor já não o viu? Mande ele vir tirar as contas com José Geraldo Pereira.

Certa vez o Galdino, nosso cavalo, sumiu. Ficou o dia todo desaparecido. Não estava na pinguela, nem próximo ao poço e tampouco na estrada.

Ficamos bastante preocupados, haja visto que o nosso animal nunca tivera a mania de tentar fugir. Era calmo como uma manhã de Sol.

Ao final da tarde enxergamos sua silhueta vindo lá da estrada em disparada total. Eu corri para abrir o portão. Voltamos todos a frente da enorme varanda que circundava a casa para recepcioná-lo. Qual não foi nosso pavor, quando, em frente a todos, observamos um cavalo em total esgotamento de suas forças, chegar até a frente de meu pai, lançar-lhe um olhar desesperador, para logo em seguida desabar mortalmente.

Nho Severiano, que por um acaso passara o dia em nossa morada, entendedor de cavalos que era, examinou o bicho.

– Esse pingo morreu de cansaço. Pode escrever. Alguém deve de tê-lo feito correr por horas seguidas.

Meu bisavô apenas balançou a cabeça do alto da varanda, apagou seu cigarro de palha e desapareceu para seu quarto.

Foi mais ou menos por essas épocas que meu pai começou a ficar estranho. Sua intemperança foi tornando-o irritadiço. Ele que sempre adorava sua criação, agora agia com indiferença às nossas crias. Permanecia a maior parte do tempo no canavial, ora pitando, ora apenas matutando, deixamos de ver meu pai. Apenas saía de lá para dormir. Apesar que, lembrando-me bem, houve noites em que ele simplesmente não apareceu. E quando vinha, mantinha sua fronte enrugada, como que preocupado, sentindo uma angústia lhe tirar a alma.

Pouco comia e então, diante de suas mudanças, foi emagrecendo. Sua face ficou ossuda, os olhos fundos e a boca cheia de rachaduras nos lábios. Passou a andar com sua carabina, coisa que não era de seu costume. Parecia procurar por algo.

Espero que todos entendam. Eu era muito jovem. Nasciam os primeiros pelos em meu rosto, já queimado de Sol. Nossa vida, apesar de simples, era digna e muito satisfatória até aquele dia, aos meus doze anos quando, no meio da tarde, ouviu-se um tiro vindo do canavial. Assustei-me diante da quebra momentânea da paz naquele ponto esquecido do mundo.

Precipitei-me rapidamente pela plantação, com um péssimo pressentimento diante do espírito da perversidade que rondava nossa casa. A escuridão se fez pela densidade das canas, deixando-me desnorteado diante da ausência completa da luz solar, que não conseguia penetrar pelo negrume das plantas. Finalmente ouvi gritos do meu velho pai, gritos de total desespero, da lancinante dor que parecia sentir. Durante anos perseguiram-me esses urros de tortura diabólica que ele sofreu.

Finalmente consegui encontrar a clareira onde tudo ocorreu. É inenarrável a cena que me esperava ali, no meio do canavial. Deitado ao chão com o corpo destruído pelos golpes que levara, fazia os restos de meu pobre pai, fatalmente golpeado, cheio de fortes hematomas, vitimado pela maldição funesta do ser monstruoso da plantação.

Um ódio terrível tomou conta de minha existência, quando o vi pela primeira vez a entidade horrenda que liquidou meu amado genitor. Lá estava ele, impávido, equilibrando-se em seu único membro inferior.

Ostentando sua compleição física imponente, forte como um touro, com sua tez negra como a noite e dura como o mais espesso couro. Sem pelos no corpo, demonstrando que a evolução humana demoraria eons ainda para chegar a esse estado de plenitude e integridade.

Seu olhar, negro e fosco como a treva, transmitia a maldade atroz. Maligno e abominável era seu sorriso que, de lado segurava quase na ponta, um malcheiroso cachimbo aceso. Seu único pé era uma garra grotesca. Suas mãos eram gigantescas e potentes como uma máquina de moer carne.

A vigorosa criatura permanecia parada me observando, enquanto ria, produzindo em mim um assombro gigantesco. Segurava um pedaço de pau manchado de sangue. Em sua cabeça, o famigerado gorro que lhe concede poderes.

A brutalidade de suas feições denotavam profunda maldade, ridicularizando minha dor. Imediatamente avancei sobre sua montanha de músculos, golpeando-o com toda minha fúria. Seu escárnio aumentava na medida em que meus golpes em nada o afetavam.

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Quando, enfim, cansou de meus golpes, lançou-me facilmente ao chão fazendo-me cócegas. A princípio tentei me defender, mas logo fui perdendo a força pois os risos que me foram provocados fizeram-me perder o folego e então, logo a minha vista se turvou e por um instante pensei que fosse morrer com falta de ar.

E realmente o ser mitológico estava disposto a me sufocar quando, do meio da plantação, meu bisavô apareceu, pronto para enfrentar seu antigo desafeto.

– Saçura, Sarerê, Siriri, Trique, Tapererê. Chegou a sua vez. Disse o velho, desafiando a criatura.

O saci sorriu, resolveu demonstrar um pouco de seu poder, transformando-se em um redemoinho.

Meu avô não pareceu impressionado com a feita do inimigo, e imediatamente lançou sobre ele uma peneira, que vinha segurando escondido. O simples objeto prendeu o ser das matas no mesmo instante, deixando-o à mercê de meu avô, que retirou uma garrafa de vidro da sacola e caiu sobre a peneira, guardando o saci dentro do recipiente.

– Filho do mal e da travessura! Achou que ia me ganhar? Não dessa vez, filhote do cão. Deu sorte com meu neto, homem teimoso, desconhecedor dos costumes. Mas de mim não… Tapererê, Siriri, Trique. Vosmercê vai agora ficar aí quietinho nessa garrafa pelo tempo que eu viver. Disse meu bisavô, retirando o gorro da anomalia e fechando novamente a tampa com rapidez.

O Saci passou a noite gritando, berrando, proferindo insultos e palavrões. Enquanto a gente chorava nosso morto e preparava o seu velório. Bem, as coisas na roça costumam ser diferentes. Há um respeito maior com esses acontecimentos. Portanto, vieram pessoas de todos os lugares fazer suas últimas homenagens ao meu velho pai.

A princípio, meu bisavô mandou derrubar todo canavial. Eu queria mesmo era ter idade para sumir dali e nunca mais pisar numa roça. Entretanto, ainda ficaria naquelas terras pelo menos até ganhar idade e vir morar na cidade grande.

A vida seguiu. Ganhei minha vida de forma simples e tentei esquecer a história da terrível morte de meu pai. Às vezes, sozinho no quarto alugado no centro da cidade, a sua imagem, todo machucado me vinha à mente. Mas eu ainda tinha o conforto em saber que ele ficara preso na garrafa de meu bisavô. Ficara.

Segunda-feira recebi um telefone de minha cidade natal. Era a minha tia. Em completo pesar. Avisando-me que meu bisavô acabara de falecer enquanto dormia. Sete anos após o incidente. Em sua mão, jazia a garrafa utilizada de moradia para o seu Saci-pererê. Completamente vazia.
O pânico tomou conta de mim. Já era difícil encontrar paz com ele preso, imagine agora sem saber ao certo seu paradeiro.

Os dias que se seguiram tornaram-se sombrios. Comecei a ter medo de andar nas ruas. Senti que vinha sendo perseguido. Uma angústia antiga voltava a me acompanhar. Logo pedi demissão em meu trabalho. Teria ele poderes na cidade, longe do mato?

A dúvida permaneceu até a manhã de ontem, quando senti o dissabor de sua presença, ao provar o gosto salgado tomando o café que eu mesmo preparei. Meus olhos escureceram diante de ódio terrível contra o monstro perseguidor. Era preciso voltar ao fatídico sítio de minha família. Meu espírito atormentado sequer percebeu as horas de estrada que separavam a cidade em que eu morava da roça onde vivi minha infância.

A fúria ensandecia meus olhos, que permaneciam em chamas, quando apavoradas, minhas tias me observaram derramando gasolina em todo o sítio. Disseram que eu falava coisas sem sentido, emitindo risos diabólicos e chamando por ele. A entidade. O Saci Pererê.

– Há, há, há! Não queria me ver? Pois aqui estou eu! Pronto para você, alma descarnada. Aleijado das trevas. Tu levaste meu pai, pois venha me levar também.

O que seguiu, foi a mais pura cena de horror presenciada. Tentaram me segurar sem sucesso, e todos puderam testemunhar o grande fogaréu que logo tomou conta de toda nossa propriedade, enquanto eu ria, ria porque sabia que ele estava lá, ria vendo toda a plantação, assim como a grande casa que fora de meu bisavô arder dantescamente.

O incêndio nos circundou, e logo observei com tamanho horror minhas pobres e velhas tias arderem junto de nossa história. No meio fogo, lá estava ele, o Saci. Sendo consumido pelo fogo que eu mesmo ateei.

E assim, pronto para morrer junto da lenda, desmaiei. Fui desperto somente no hospital e confesso que praguejei fortemente pelo fato de ser único ser vivo a ser poupado da terrível tragédia que acometeu minha família.

E agora, em uma cela fria e escura, passo meus dias e noites, atormentado por seus assovios monstruosos, ainda ouço os risos de escárnio e meu café, vez ou outra, vem salgado como a água do mar.

O Lado Sombrio do Saci foi escrito por: Marcelo Fávaro

Imagem de Capa: Bruno Feltran

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